10 de mai. de 2007

O japonês de papel

Já passava das cinco da tarde quando ouvi alguém perguntar pelo senhor Sushiro, só então olhei para as caixas de papelão espelhadas pela loja e me dei conta que ele não havia aparecido naquele dia.
Sushiro era um japonês, já bem velho, que todos os dias, pontualmente às quatro horas, passava pelo centro comercial de Piraporinha em Diadema, onde eu trabalhava. Ia de loja em loja apanhando as caixas de papelão vazias, que lotavam seu carrinho de mão pintado de amarelo.
Diferente do perfil dos catadores de papel, seu Sushiro estava sempre bem arrumado. Trajando calça social e camisa, mantinha o cabelo sempre penteado e ajeitado com gel. Tinha a postura meio curva e o andar manco. Nunca dizia nada. Apenas parava seu carrinho de mão amarelo na porta da loja, levantava os olhos, como se pedisse permissão para entrar. Pegava as caixas, as desmontava, empilhava no seu carrinho e saia em direção à próxima loja.
Seu jeito exótico despertava, em todos nós, curiosidade sobre sua origem. Mas como sobre isso ele nunca falava, aliás ele nunca falava sobre nada, a cada dia e ao longo dos anos, vários boatos foram surgindo ao seu respeito.
Havia os que diziam que ele era um comerciante rico que enlouqueceu ao flagar sua mulher com o melhor amigo na cama. Outros diziam que ele havia cumprido vinte anos de prisão por ter matado a mulher e o amante. Alguns contavam que ele era um ex- metalúrgico que havia trabalhado trinta e poucos anos em uma fábrica, mas foi demitido faltando um ano para se aposentar, o que teria o deixado emocionalmente abalado.
As histórias eram muitas, o que fazia do seu Sushiro uma figura folclórica e popular entre os funcionários das lojas. Ele parecia não se importar, pois se alguém o questionasse sobre a veracidade de qualquer um desses boatos ele nada dizia, apenas balançava os ombros e ia embora.
O SUMIÇO

Mas naquele dia, o velho japonês realmente não havia aparecido em nenhuma loja. As caixas de papelões, que já ficavam reservadas a sua espera, se amontoavam nos estoque e corredores das lojas. Ele não havia passado nem na padaria, onde gostava de tomar seu café sem açúcar e que de tão quente, fazia com que o vapor embaçasse as lentes dos seus óculos grandes e quadrados.
Algumas semanas se passaram sem que o velho japonês aparecesse. Logo outros catadores vieram e começaram a levar as caixas que do seu Sushiro. De uma hora para outra ele desapareceu. Assim como ninguém sabia de onde ele tinha vindo, também ninguém sabia para onde teria ido. Não demorou para outros boatos surgirem.
Diziam que ele havia conhecido uma mulher, dona de uma rede de restaurantes e ido com ela para o Mato Grosso, outros contavam que ele havia ganho uma bolada no jogo do bicho e se mudado para o interior de São Paulo. Havia também quem falasse que ele havia morrido, vitima de um atropelamento. Falavam de tudo. A verdade é que ele nunca mais apareceu e até hoje há quem tenha sua versão para o sumiço do seu Sushiro. Há até quem questione se ele realmente havia existido.
*Texto também publicado no site Portal Literal do Terra ( http://portalliteral.terra.com.br/), entre os classificados do concurso "Exercicios Urbanos" de maio de 2007

Nenhum comentário: