15 de mai. de 2007

Amigo, me vê um cafezinho

Ele odiava seu emprego. Odiava as mesinhas cinza, as divisórias, o tapete azul. Odiava tanto o bom-dia sorridente da recepcionista quanto os gritos e insultos que ele agüentava do chefe, um jovem arrogante famoso pela maneira áspera que tratava os funcionários. Quantas vezes já havia pensado em enfrentá-lo, mas ai lembrava-se do salário, das responsabilidades, então se calava e abaixava a cabeça.
Ele odiava aquele mundinho ao qual estava preso e que a cada dia o fazia se sentir mais derrotado. Se pelo menos tivesse seguido o seu sonho de ser músico, mas acabou sucumbindo às tentações do vale refeição e do convenio médico. Até seus benefícios ele odiava.
Só havia uma coisa que ele realmente gostava no emprego. A máquina de café expresso. Tomava uns quinze cafés por dia. O tempo que passava esperando a máquina preparar o café e depois degustando a bebida, eram os momentos mais felizes que tinha no trabalho. Odiava quando era interropido.
Certo dia estava finalizando alguns relatórios – ele odiava ter que fazer relatórios – quando foi chamado a sala do chefe. Ele sabia o que lhe esperava. Respirou fundo e se dirigiu até o fim do corredor. Abriu a porta de mogno escura e sentou-se na poltrona cinza acolchoada. Antes que pudesse dizer alguma coisa, uma avalanche de ofensas, de críticas e desaforos se seguiram. O motivo da bronca era alguns memorandos atrasados.
Ele ainda tentou argumentar, dizendo que aquele era um serviço de outro rapaz que havia saído de férias sem terminar o trabalho, mas foi interrompido aos gritos pelo chefe, que parecia sentir um prazer quase sexual em humilhá-lo.
Saiu da sala cabisbaixo. Resolveu fazer a única coisa que o deixava feliz. Resolveu tomar um café. Foi então que descobriu que a máquina de expresso não estava mais lá. Como medida de redução de custos, o chefe a havia retirado.
ÓDIO

Seu rosto ficou vermelho, parecia que iria explodir. Apressadamente atravessou o corredor, chegou até a sua mesa, pegou a pilha de papéis e se dirigiu para a sala do chefe.
Deu um forte chute na porta, abrindo-a de uma vez. Aproximou-se do chefe, que se encolheu assustado e o olhava atônito, e começou a rasgar as folhas, uma a uma, espalhando seus pedaços pelo tapete bege que cobria o chão da sala.
O chefe tentou falar, mas foi interrompido com um grito de cala a boca. Naquele momento ele despejou tudo que estava engasgado durante aqueles longos seis anos de frustrações.
Disse o quanto odiava aquele emprego, o quanto achava o chefe uma pessoa arrogante e despreparada e por fim pronunciou sua liberdade: “Eu me demito”.
Repetia a frase várias vezes enquanto terminava de rasgar os papéis, jogando seus pedaços para o alto como se fosse serpentina. Continuou a repeti-la, agora a cantarolando, enquanto pegava suas coisas e enquanto esperava o elevador.
Ao sair na rua, a luz do sol o iluminou e uma leve brisa balançava seu cabelo. Sentia-se mais leve, o sorriso tão raro nos últimos tempos, agora lhe atravessava o rosto.
O corpo meio curvo, estava ereto. Tal qual um guerreiro que acabara de matar um dragão, atravessou a avenida com o peito estufado. Entrou na padaria, sentou-se encostado ao balcão. Afrouxou a gravata, respirou fundo, chamou o balconista e disse. “Amigo, me vê um cafezinho”.

Um comentário:

May Singh disse...

Olá, sou estudante de jornalismo e estava lendo o seu blog achei muito bacana, com certeza estarei mais por aqui!
Parabéns