21 de jan. de 2008

A luz da Luz

Série - Lugares de São Paulo

Década de 30. É hora do almoço em São Paulo. Com passos apressados, os garçons atravessam um amplo salão. Apesar do intenso movimento, o clima é de calma. Nas diversas mesas espalhadas pelo lugar, empresários, intelectuais, políticos, diplomatas e até reis, que vinham apreciar a famosa comida do estabelecimento, conversam animadamente.
Essa era a rotina do charmoso restaurante Vagliengo, que por muitos anos ocupou o andar superior da estação de trem que exalava glamour pelos seus tijolos: A São Paulo Railway Station ou como era mais conhecida: a Estação da Luz.
Localizada em meio ao Jardim da Luz, a estação era um imponente prédio de beleza singular, tido como o cartão de visita da cidade de São Paulo. Construída pela companhia São Paulo Railway, então dona da estrada de ferro que ligava o interior paulista ao porto de Santos, atravessando os principais bairros de São Paulo, a estação foi um dos primeiros benefícios que a cidade grande recebeu por conta dos lucros vindos dos cafezais.

Decadência

De contornos neoclássicos, inspirados em obras como o Big Ben e a abadia de Westminster, a estação era tida como o cartão de visitas da cidade, já que todas as personalidades ilustres que tinham a capital como destino eram obrigadas a desembarcarem lá. O número de passageiros e cargas que passavam pela Luz diariamente, faziam com que suas plataformas vivessem cheias e movimentadas.
Mas o charme e o glamour da estação estavam, como inúmeros outros itens, ligados à prosperidade da ferrovia inglesa. A decadência no ciclo cafeeiro e o fim do contrato de concessão com os ingleses fizeram com que a estação fosse gradativamente perdendo seu brilho.
Em 1946, um incêndio, até hoje não esclarecido, destruiu o prédio, queimando todos os documentos que registravam as contas da estrada na época do domínio inglês.
Os anos passaram e na década de 70, prostitutas e mendigos tornaram-se os clientes preferenciais do antigo restaurante Vagliengo, que agora funcionava como lanchonete, até ser fechado definitivamente em 1986.
Sem a mesma qualidade do serviço e sem conservação, os trens de passageiros passaram a ser alvos de várias reclamações por parte dos usuários. Até que em 1996 eles saíram de atividade.
Desde então as marca da estação, que atualmente está em poder da CPTM, eram as infiltrações nas paredes e corrosões nas estruturas de metal. Só em 2004, por conta das comemorações dos 450 anos de São Paulo, a Estação da Luz teve um pouco de seu brilho devolvido.

Outros tempos

O prédio foi entregue à população totalmente restaurado. Um intenso trabalho recuperou a arquitetura e os traços imponentes do início do século e suas plataformas foram readaptadas para os atuais trens metropolitanos, que voltaram a funcionar na estação.
Para trazer de volta um pouco do status de ponto de encontro que a estação mantinha, principalmente com o seu famoso restaurantes Vagliengo, em 2006 foi inaugurado o belíssimo Museu da Língua Portuguesa.
Mas nem o Museu, nem a nova iluminação, que durante a noite ilumina sua fachada alaranjada fazendo-a se destacar na paisagem da capital, foram suficientes para devolver a estação o espírito imponente do passado.
A cidade cresceu e nos dias de hoje o movimento na Luz é intenso, marcado por passos apressados e rostos indiferentes. Lotada de pessoas que se trombam pelas plataformas. Ocupadas, presas em seus mundos particulares, se debatendo para conseguir, de forma desorganizada, adentrar os vagões ao mesmo tempo em que outros tentam sair.
Já não há mais tempo para se olhar a beleza da estação ou de entender a história guardada entre seus tijolos. Daquele prédio imponente, considerado marco do desenvolvimento e cartão de visita de São Paulo, restou apenas uma estação de trem.

Trecho do meu livro-reportagem Em Companhia de uma Inglesa – Vidas que a ferrovia construiu

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