20 de mar. de 2008

Seu Zé e a Vida

Ele era um cara comum.

Tão comum que se chamava José da Silva.

Mais comum que o nome, só apelido pelo qual era conhecido: seu Zé.

Seu Zé era um sujeito magro, de estatura alta e de pele morena. No meio do cabelo escuro, se encontravam alguns poucos fios brancos. Tinha 69 anos, trinta e oito deles dedicados ao trabalho em uma indústria metalúrgica.

Pernambucano, semi-analfabeto, veio do Norte ainda moço em busca de um lugar ao sol na cidade grande. Em São Paulo, arrumou emprego, mulher, filhos, família. Comprou uma casa, um carro, um cachorro. Nada muito diferente de tantos outros Zés espalhados por ai.

Trabalhava muito, se divertia pouco. Nas poucas vezes que viajava, ia para Pirassununga, no interior de São Paulo, onde moravam os pais e irmãos da esposa. Uma família comum, vida comum, um homem comum.

Sua vida começou a se findar quando se aposentou. Durante os primeiros meses ficava inquieto. Acordava todos os dias as quatro e meia da manhã. Horário que costumava acordar para ir ao trabalho. Chegou a bater na porta da sua antiga empresa pedindo para voltar a trabalhar, nem que fosse meio período, nem que recebesse apenas uma ajuda de custo. Mas o tempo passou.

Resolveu então abrir um negócio. Abriu um boteco, na rua de sua casa. Mas seu Zé não tinha paciência com os bêbados, nem com as as vendas fiadas. Fechou depois de um ano. Resolveu abrir uma doceria, depois um bazar. Nenhum deu certo. Por dentro se sentia vivo, disposto, pronto para continuar produzindo. Mas já não encontrava espaço. O tempo passou e depois de alguns anos, resignou-se. Aceitou que não tinha mais o que fazer. Perdeu a disposição que tinha.

Os filhos casaram e partiram de casa. O tempo também lhe levou a esposa. Na velha casa amarela, restava apenas a companhia do velho cachorro. Cego, manco, mas leal.

Passou a dividir o tempo entre jogos de dama na praça do bairro e as conversas jogadas fora no boteco da esquina. Sem sonhos, sem planos. Apenas deixando o tempo passar, coisa que as vezes custava acontecer.

No último natal, os filho trouxeram os netos. Comeu panetone e ganhou presentes. A casa estava cheia, mas a vida continuava vazia.

Até que, em uma certa manhã, Seu Zé se sentiu mais indisposto do que o normal. Uma dor lhe queimava o peito. Dor que no início era aguda e intensa, mas que logo foi se tornando reconfortante. Percebeu que havia chegado à hora.

Abriu um sorriso e caiu no chão.

Durante o velório, nos cantos do pequeno salão, o que se falava era que seu Zé era um sujeito comum, que sempre quis algo a mais da vida. Mas morreu sem saber o que.

21 de jan. de 2008

A luz da Luz

Série - Lugares de São Paulo

Década de 30. É hora do almoço em São Paulo. Com passos apressados, os garçons atravessam um amplo salão. Apesar do intenso movimento, o clima é de calma. Nas diversas mesas espalhadas pelo lugar, empresários, intelectuais, políticos, diplomatas e até reis, que vinham apreciar a famosa comida do estabelecimento, conversam animadamente.
Essa era a rotina do charmoso restaurante Vagliengo, que por muitos anos ocupou o andar superior da estação de trem que exalava glamour pelos seus tijolos: A São Paulo Railway Station ou como era mais conhecida: a Estação da Luz.
Localizada em meio ao Jardim da Luz, a estação era um imponente prédio de beleza singular, tido como o cartão de visita da cidade de São Paulo. Construída pela companhia São Paulo Railway, então dona da estrada de ferro que ligava o interior paulista ao porto de Santos, atravessando os principais bairros de São Paulo, a estação foi um dos primeiros benefícios que a cidade grande recebeu por conta dos lucros vindos dos cafezais.

Decadência

De contornos neoclássicos, inspirados em obras como o Big Ben e a abadia de Westminster, a estação era tida como o cartão de visitas da cidade, já que todas as personalidades ilustres que tinham a capital como destino eram obrigadas a desembarcarem lá. O número de passageiros e cargas que passavam pela Luz diariamente, faziam com que suas plataformas vivessem cheias e movimentadas.
Mas o charme e o glamour da estação estavam, como inúmeros outros itens, ligados à prosperidade da ferrovia inglesa. A decadência no ciclo cafeeiro e o fim do contrato de concessão com os ingleses fizeram com que a estação fosse gradativamente perdendo seu brilho.
Em 1946, um incêndio, até hoje não esclarecido, destruiu o prédio, queimando todos os documentos que registravam as contas da estrada na época do domínio inglês.
Os anos passaram e na década de 70, prostitutas e mendigos tornaram-se os clientes preferenciais do antigo restaurante Vagliengo, que agora funcionava como lanchonete, até ser fechado definitivamente em 1986.
Sem a mesma qualidade do serviço e sem conservação, os trens de passageiros passaram a ser alvos de várias reclamações por parte dos usuários. Até que em 1996 eles saíram de atividade.
Desde então as marca da estação, que atualmente está em poder da CPTM, eram as infiltrações nas paredes e corrosões nas estruturas de metal. Só em 2004, por conta das comemorações dos 450 anos de São Paulo, a Estação da Luz teve um pouco de seu brilho devolvido.

Outros tempos

O prédio foi entregue à população totalmente restaurado. Um intenso trabalho recuperou a arquitetura e os traços imponentes do início do século e suas plataformas foram readaptadas para os atuais trens metropolitanos, que voltaram a funcionar na estação.
Para trazer de volta um pouco do status de ponto de encontro que a estação mantinha, principalmente com o seu famoso restaurantes Vagliengo, em 2006 foi inaugurado o belíssimo Museu da Língua Portuguesa.
Mas nem o Museu, nem a nova iluminação, que durante a noite ilumina sua fachada alaranjada fazendo-a se destacar na paisagem da capital, foram suficientes para devolver a estação o espírito imponente do passado.
A cidade cresceu e nos dias de hoje o movimento na Luz é intenso, marcado por passos apressados e rostos indiferentes. Lotada de pessoas que se trombam pelas plataformas. Ocupadas, presas em seus mundos particulares, se debatendo para conseguir, de forma desorganizada, adentrar os vagões ao mesmo tempo em que outros tentam sair.
Já não há mais tempo para se olhar a beleza da estação ou de entender a história guardada entre seus tijolos. Daquele prédio imponente, considerado marco do desenvolvimento e cartão de visita de São Paulo, restou apenas uma estação de trem.

Trecho do meu livro-reportagem Em Companhia de uma Inglesa – Vidas que a ferrovia construiu

14 de jan. de 2008

VOLTEI !!!

Os ultimos meses foram intensos. Muitas mudanças, novas experiências.
Isso foi muito bom, mas por outro lado acabou me afastando do blog. Enfim, esse recado é só para avisar que agora que as coisas estão se acalmando, eu voltarei a postar com mais frequencia nessse querido espaço.
A todos um ótimo 2008!!

Até breve!